Bartolomew, Bart para os próximos se ele
tivesse algum, estava sentado em sua sala de estar quando a campainha tocou.
Levantou-se com cuidado para que não fizesse muito barulho para o caso de não
querer atender a porta. Fazia-se um tempo que odiava qualquer contato com
humanos, ainda mais os que o olhavam de forma superior como se ele fosse apenas
um lunático.
Abriu a porta. Não havia ninguém. Seu rosto
se entristeceu ao notar que era apenas mais uma brincadeira daquelas pessoas
que o usavam como objeto de zombação. Socou a porta irritado e encarou o chão.
Lá se encontrava um embrulho pequeno. Um lenço de seda vermelha. Pegou
delicadamente aninhando entre seus dedos como um filhote de passarinho com asa
quebrada. Olhou a procura de quem havia deixado o presente, mas não havia nada
lá fora. Tudo continuava escuro, apenas o vento parecia sussurrar frases
turbulentas para as almas perdidas.
Entrou em casa e fechou a porta silenciando a
discussão do vento. Voltou a se sentar com curiosidade. Desdobrou calmamente o
embrulho e descobriu... Sementes. Voltou a olhar sem entender o que aquilo
significava quando notou letrinhas minúsculas escritas no pano. Guardou as
sementes num papel e dirigiu o pano para a luz do abajur, para assim decifrar
as letras.
Se a terra elas beijarem... Escuridão de Eros virá...
Bartolomew repetiu as palavras diversas vezes
sem entender até que uma ideia alucinada começou a enraizar em sua mente. Sem
parar para encontrar lógica saiu correndo para fora onde se encontrava um
pequeno jardim, sem nenhuma planta na terra Arida e seca.
Cavou um buraco no chão com as próprias unhas
ignorando a lama que sujava seus joelhos. Jogou as sementes no buraco e recitou
as palavras do tecido. Queria entender o que aquela semente iria fazer, mas
sabia que aquilo podia ser outra brincadeira daqueles garotos que viviam para
vê-lo passar vergonha.
Pensou sobre a segunda frase, mas nada
pareceu fazer sentido ou se encaixar com suas ideias. Eros... Eros era o Deus
do amor, louvado por variadas culturas através do mundo.
Amor.
Uma palavra tão simples, mas que o tomava por
inteiro. Sentia tamanho amor por Karen
que chegava a chorar por ela não nota-lo, não falar com ele, nem sequer saber
que ele existia.
Todos os dias eles se encontravam no corredor
da universidade. Ela com seu cabelo ruivo gravitando em volta de seu belo rosto
onde se abrigava os mais belos olhos e a boca mais carnuda entre todos os
mortais. Já ele com suas camisetas desbotadas, suéteres bregas, seu cabelo
bagunçado e seus óculos quadrados fora de moda.
Bartolomew sabia que aquela criatura
recém-criada pela luz jamais olharia para alguém como ele, jamais notaria sua
presença, mas isso não diminuía sua obsessão por ela. Tudo remetia aqueles
olhos verdes, respirar apenas para poder vê-la outra vez, aguentar as chacotas
apenas para sentir seu perfume. Era por ela que ele vivia.
Pensou em sua voz doce, em como ela colocava
as mechas do cabelo atrás da orelha com tanta afeição, como suas pernas se
movimentavam quando ela desfilava pelos corredores.
Mas afinal o que estava fazendo ali fora
feito um estúpido?
Chutou a terra, soterrando as sementes e
voltou para dentro. Estava tarde. Tomou um banho e deitou-se para dormir. Lá
fora uma tempestade resolveu banhar o solo com seu manto. Com o som da chuva
dormiu.
Ás duas e cinquenta e sete da manha ouviu um
grito. Acordou assustado e rapidamente desceu as escadas para ver o que estava
acontecendo. A porta dos fundos estava escancarada. O grito se repetiu gelando
sua espinha. Pegou uma faca e saiu pela porta, sua mão tremia tanto que temeu
fazer papel de bobo com uma faca.
Seu quintal estava enlameado, a chuva
continuava caindo. Deixou a faca cair. Não havia ninguém... Exceto um monte de
terra no meio do quintal. Caminhou pela chuva até o monte de terra curioso, era
onde tinha escavado o buraco da semente. Algo estava enterrado. Retirou um
pouco de terra voltando a se sujar e olhou. A chuva esparramava a terra. Havia
algo no meio do monte, parecia... Uma... Mão. Berrou e caiu para trás
assustado. A mão começou a se mover em sua direção. O monte de terra tremeu, a
chuva levou as porções de terra mostrando um corpo.
Aproximou-se do monte e olhou para o corpo.
Era uma garota. Tocou em seus dedos, era real, de carne e osso e lama. Passou a
mão em seu rosto para limpar e notou uma aparência familiar. A água continuou a
lavar o corpo. Ela estava nua. Olhou mais uma vez para o rosto até que a garota
abriu os olhos e agarrou seu braço com uma força descomunal.
-Barrr... Too... Lomiew... Mino mestrrre... –
Sua voz era tão familiar que Bartolomew não podia acreditar. Conhecia aquela
voz, mas não fazia sentido que ela estivesse ali, no seu quintal, nua.
-Karen? – Sussurrou. A garota sentou-se
calmamente empinando os peitos. Acariciou o rosto de Bartolomew carinhosamente
e abriu um sorriso malévolo.
Bartolomew agarrou a garota e a levou para
dentro. Tentou ignorar o corpo nu da garota no seu. A levou para o banheiro e
lhe deixou sozinha no chuveiro para que ela se limpasse.
-Bartolomew... – Ela sussurrou. Ele entrou no
banheiro, mas a encontrou nua, com o chuveiro aberto. – Lave-me. – Implorou. –
Agora sou sua Bartolomew, você me criou.
Ela encostou seu corpo ao de Bartolomew
fazendo com que ele se excitasse. Começou a beijar seu pescoço a arrancar sua
roupa, esfregar seus seios em sua barriga lhe causando medo e aflição. O que
estava acontecendo? Como Karen havia parado ali e nua? Beijando alguém como
ele?
Ou tudo estava errado ou tudo estava certo.
Karen beijou seus lábios com furor e desejo
fazendo toda a lógica de Bartolomew se desfazer. Ele não se importava com o que
aquilo podia significar, só queria aproveitar cada segundo. Puxou Karen para o
chuveiro e se deixou levar.
v
Karen Beta como costumava chamar Bartolomew
estava sentada em frente a janela. Penteava seus belos cabelos para quando seu
amado voltasse ficasse lunático com sua beleza. Ela adorava quando ele
acariciava seus cabelo, beijava seu ventre, dizia poesias tão lindas no
sussurro da noite. Tudo para que ela se sentisse a mulher mais linda a existir.
Odiava quando ele saia para estudar e para
trabalhar. Não confiava nas outras mulheres lá fora, todas sedentas de atenção
e com o ventre queimando de desejo. Poderiam querê-lo, possuí-lo, toma-lo dela.
E isso ela jamais aceitaria. Bartolomew era apenas seu.
Fazia algum tempo que Bartolomew não a
tratava mais como sua rainha suprema, seguindo cada passo seu, respirando o ar
entre seus cabelos, sedento por cada informação sobre ela. Já não se sentia
mais sua mulher especial. Era como se ele tivesse outra e isso fazia um ódio
ardente crescer em seu peito.
Estava nua quando desceu as escadas e
sentou-se na frente da porta. Estava quase na hora dele chegar.
v
Bartolomew estava extasiado enquanto entrava
no carro de Karen, a verdadeira Karen. Depois de dois meses com a outra Karen
aprendeu todos os segredos e gostos da verdadeira Karen e vinha usando isso a
seu favor, para chamar a atenção da garota.
Nos debates em grupo, Bartolomew sempre
defendia o lado feminino como Karen. Sempre deixava um lírio em seu carro e
cantarolava suas musicas favoritas quando ela passava por perto. Aos poucos a
criatura de pura luz começou a nota-lo, a conversar com ele, rir de suas piadas
e olha-lo com uma expressão apaixonada.
Naquele dia ela lhe deu uma carona.
Estacionou na frente de sua casa e o acompanhou até a porta. Bartolomew sabia
que não podia deixa-la entrar, não podia lhe explicar como morava com outra
Karen, um clone, uma gêmea. Mas aquela Karen era diferente, era doce, cheia de
luz, diferente da outra Karen, com seu sorriso diabólico, suas observações
cruéis, uma criatura das sombras.
Karen olhou no fundo de seus olhos e se
aproximou. Bartolomew a beijou demoradamente sentindo o gosto suave de seus
lábios, todo seu romantismo, tão diferente da malicia de Karen Beta. Tudo que
desejava estava tornando-se real e por mais que quisesse abandonar essa sua
vontade de possuir Karen e se livrar de Karen Beta não conseguia evitar pensar
em tê-las para si. A boa e caridosa Karen Original e a ardente e maliciosa
Karen Beta.
Karen se despediu envergonhada com as maças
do rosto levemente rosadas e um brilho tímido no olhar. Ela era a perfeição e
gostava dele, DELE! E agora ele iria tê-la, possuí-la. Sua Karen. Talvez fosse
possível ter as duas, a luz e a escuridão.
v
Karen estava deitada na cama de Bartolomew,
pela primeira vez com um lençol cobrindo sua nudez. Embaixo de seu travesseiro,
onde uma de suas mão descansava, havia uma arma de Bartolomew comprada num
momento de desespero para se proteger. Ela não a usaria, não agora.
Bartolomew abriu a porta do quarto e a viu
deitada coberta. Tentou puxar conversa ou conseguir alguma coisa como caricias,
mas Karen permanecia muda, com a raiva brotando em seu coração e se apoderando
de sua mente com raízes perversas. Ele tinha outra, igual a ela. Havia visto
quando ela o beijou na porta e como ele não respeitou o que ela sentia. O ódio
a fazia trincar os dentes. Ser trocada por outra Karen, uma Karen com seu rosto
e seu corpo, mas com uma ignorância e mediocridade notável.
Bartolomew não se importou com a falta de
vontade de Karen. Estava excitado ao receber aquele beijo que não se importava
com o que Karen estava sentindo hoje. Puxou o lençol de seu corpo e tirou suas
roupas agarrando Karen na cama, pronto para penetra-la.
-Hoje não! – Murmurou Karen, mas Bartolomew
não se importou, Era apenas uma coisa que ele desenterrara no quintal,
pertencia a ele, era um objeto que ele teria que se livrar. Tecnicamente não
era estupro na opinião de Bartolomew, mas para Karen era uma sentença de morte.
Desceu as escadas e pegou uma faca, estava
afiada. Voltou para o quarto e subiu na cama. Karen estava de barriga para
baixo de olhos fechados. Bartolomew sentou em suas costas e passou a faca
vagarosamente pela espinha de Karen como se a acariciasse. Ela não se mexeu.
Ele sabia que tinha que mata-la senão nunca
poderia ficar com o único amor de sua vida. A Karen por quem ele havia se
apaixonado e que agora também o amava. Era ela que ele amava e não essa coisa
repugnante que ele tirara da terra.
Levantou a faca e mirou entre as omoplatas,
mas não pode desferir o golpe. Karen virara-se e encarava-o com uma arma, sua
arma, apontada para seu rosto. Seu sorriso perverso iluminando seu rosto. Ela
se retirou de baixo dele e pegou a faca. Ainda estava nua, mas agora seu corpo
não lhe causava mais desejo.
Os dois desceram as escadas. Karen amarrou
seus braços e suas pernas com um lençol rasgado, colou fita em sua boca e o
deixou sentado no sofá com um cobertor cobrindo-o por inteiro menos seu rosto.
Se sentou na frente dele com as pernas cruzadas. Vestiu uma camiseta larga que
ele possuía e pegou seu telefone.
-Humm... Me parece que você andou ligando
muito para essa tal de Karen não é? Ou melhor, para mim! Achou mesmo que eu
nunca descobriria? Achou que eu sendo ela e tendo suas memórias nunca
desconfiaria dos recados, da sua demora ao chegar a casa?
Bartolomew começou a chorar, mas Karen não se
importou.
-Você me ganhou Bartolomew, fez tudo que
queria comigo e agora está pensando em abandonar o barco? Não é assim que
acontece Bartolomew e você vai aprender que não se podem ter duas mulheres sem
riscos.
Karen procurou o numero de sua sósia e ligou.
Colocou a mão na boca e disfarçou a voz num tom nervoso e desesperado.
-Oi? Karen? Por favor, vem aqui na casa do
Bartolomew ele está febril e chamando por você. Não precisa chamar o medico
porque eu já fiz isso. Obrigada, venha logo!
Karen desligou o celular e soltou uma risada
nociva.
-Achou mesmo que eu iria embora e o caminho
ficaria livre? Achou que me matando conseguiria aquela vadia? Pois bem
Bartolomew, quem muito quer nada tem.
Karen caminhou até o quintal e começou a
cavar a cova. A outra só chegaria dali a meia hora mesmo, melhor adiantar o
serviço. Cantarolou “Hey Jude” enquanto cavava cada vez mais fundo. Quando achou
que já era suficiente voltou para a sala. Bartolomew estava rastejando pelo
chão em direção à arma. Ela a pegou e chutou as costelas de Bartolomew. Pegou
sorvete na cozinha e voltou a se sentar saboreando cada colherada.
A campainha soou.
-Visita a essa hora! Quem será?
Pegou a arma e abriu a porta tomando cuidado
para que Karen não a visse. Karen entrou sem olhar duas vezes para a garota,
correu até Bartolomew e arrancou a fita de sua boca.
-O que aconteceu Bartolomew?
Karen Beta se aproximou da sósia malfeita e
apontou sua arma para ela.
-Eu aconteci Karen.
As duas se olharam, uma com ódio e revolta e
a outra com medo e horror. Karen original não estava entendendo.
-Fuja Karen, fuja! – Berrou Bartolomew.
-Coloca a fita de novo e senta no sofá. – Falou
calmamente Karen Beta enquanto sentava-se em uma cadeira.
Karen obedeceu.
-Bem Karen – Nojo escorreu de seus lábios –
Parece que somos parecidas. Mas que fique bem claro que a mais bonita sou eu é
claro!
-O... que... vai acontecer? – Murmurou Karen.
-O que vai acontecer? – Caçoou Karen Beta com
uma voz melosa. – Você vai morrer imbecil, bem na frente desse idiota que me
trocou por você acredita?
-Por favor, não faça nada... – A voz de Karen
foi silenciada por um tiro. Sua cabeça tombou para frente juntamente com seu
corpo manchando o chão.
Bartolomew remexeu-se desesperado, tentou se
arrastar até o corpo até que sua cabeça encostou-se a de Karen.
-Ela falava demais. – Murmurou Karen sem se
importar com nenhum dos dois. – Agora meu caro você ficou sem nenhuma garota.
Karen caminhou até Bartolomew e retirou sua
fita.
-Você é louca! Assassina! Matou a mulher que
eu amava!
-Não, eu não matei ninguém. Karen não está
morta Bartolomew, eu sou Karen agora e você não pode fazer nada para evitar.
-Vou chamar a policia e você vai apodrecer na
cadeia!
-E vai dizer o que? Que o clone de sua
namorada morreu aqui? Que eu sou uma feiticeira, uma bruxa? Você não tem
escolha Bartolomew, não como tinha antes. Podia ter escolhido conquista-la
antes de mim, podia ter escolhido não plantar aquelas sementes e podia ter
escolhido não me trair, mas agora não pode fazer nada.
-Você não vai sair impune dessa!
-Na verdade já estou saindo, não tenho mais
nada que fazer, você vai enterrar o corpo ou talvez possa estupra-la como fez
comigo. Já eu vou-me embora para minha casa tomar meu lugar de direito. E nunca
mais atravesse meu caminho Bartolomew ou então vou mata-lo. Estou sendo bondosa
com você, deixa-lo vivo é algo muito altruísta de minha parte.
Karen vestiu as roupas de sua inimiga e pegou
sua bolsa. Beijou os lábios de Bartolomew, mas ele a mordeu o que a fez
chuta-lo diversas vezes nas costelas. Ela jogou uma faca perto de seu corpo
para que quando ela saísse, ele se soltasse.
-Eu deveria mata-lo Bartolomew, mas em minha
opinião, deixa-lo viver com a eterna culpa da morte de seu único e grande amor
já é suficiente.
Ignorando os gritos de Bartolomew ela saiu
pela porta e caminhou até o carro, seu carro na verdade. Deu partida e foi. Foi
para sua nova antiga vida. Agora seria “A Karen” e ninguém poderia machuca-la.
Colocou um óculos escuro, bagunçou o cabelo e colocou um cd do Metálica.
O mundo tremeria diante de sua presença.